O custo de refratários, numa aciaria, é um fator de constante atenção.
Lida-se com grandes tonelagens de aço líquido (a 1600 graus), que precisa ser contido em recipientes de aço – sólido, evidentemente.
Entre ambos, o líquido e o sólido, se colocam tijolos refratários.
Estes materiais precisam compatibilizar duas propriedades antagônicas:
- serem refratários, ou seja, resistir bem às altas temperaturas;
- serem isolantes, ou seja, não deixar o calor passar (protegendo quem está por trás…).
Como estes tijolos tem estrutura complicada, que muda com o aumento da temperatura, existe em torno de seu uso toda uma aura de importância e complexidade.
A fatura dos grandes fornecedores de material refratário é pesada, ao ponto de eles manterem, nas grandes Usinas, engenheiros residentes, apenas para aperfeiçoar o uso dos seus materiais.
Numa oportunidade, diretores da Magnesita nos visitaram, e o engenheiro residente deles apresentou, orgulhoso, o trabalho que vinha fazendo.
A evolução era muito marcante, os custos tinham caído muito.
Ele concluiu a sua apresentação dizendo
– “Acho que o importante está feito, daqui por diante os ganhos serão muito pequenos”.
Se não foi o Morganti, a “tirada” a seguir poderia ter sido dele.
Disse ao diretor da Magnesita, a seu lado:
– “A partir da próxima semana gostaria de ter, aqui na Cosigua, outro engenheiro residente da Magnesita…”
A evolução do conhecimento não pode parar…. |
Quando começou a se intensificar uso de máquinas de lingotamento contínuo, os refratários dos distribuidores de aço (tundish) adquiriram grande importância operacional e econômica.
O aço líquido é vertido num caixa de aço alongada, aberta em cima, e que tem, na parte de baixo, alguns furos, pelos quais o aço sai para o processo de resfriamento e solidificação.
Esta caixa deve aguentar aço líquido por várias horas, e muitas vezes o processo precisa ser interrompido por que o refratário não suportou a ação prolongada da temperatura sobre sua estrutura.
Apareceu, na ocasião, uma novidade sensacional. Uma empresa chamada Foseco desenvolveu placas de um material fino e leve, que colocava por dentro do caixão, para evitar o primeiro contato do aço com o refratário.
As placas sinterizavam, ou seja, meio que se derretiam e se reconformavam, gerando uma barreira que aumentava, em muitas vezes, o tempo de resistência do caro refratário que estava por baixo.
Não é preciso dizer que as placas também eram muito caras. Só havia um fornecedor, no mundo, que não revelava como eram feitas, e que calculava o seu preço pelo valor que elas tinham para nós.
As placas eram importadas, e diminuíam o consumo do refratário nacional. A gente se sentia logrado, porque sentia que o custo delas era muito menor do que o valor pelo qual elas nos eram vendidas.
A alternativa que tínhamos era não usá-las — e ter um custo ainda mais alto.
Nós sempre aproveitávamos a oportunidade de compra de grandes equipamentos para conseguir visitas a outras empresas siderúrgicas, sob pretexto de atestar a qualidade do que estávamos comprando.
E aproveitávamos para aprender bastante.
Era uma das formas de gestão de conhecimento que tínhamos.
Numa destas oportunidades, descobrimos que na Europa existia um segundo fornecedor de placas para distribuidores!
Tínhamos receio de correr riscos com um fornecedor de menor porte e menor tecnologia, mas os engenheiros da DEMAG, de quem estávamos comprando novas máquinas, nos garantiram que a DAUSSAN é que tinha inventado as placas, e que a FOSECO era apenas uma licenciada deles.
Entre as características do nosso colega Mathias Kemper estava a sua obstinação, absolutamente germânica. Ele conseguiu que o pessoal da DEMAG nos apresentasse a um dos Daussan.
E nós conseguimos licença para visitar a sua fábrica, no sul da França.
Os Daussan eram uma família de inventores. Havia o pai e quatro filhos, se me lembro bem. Eles tinham mais de 300 patentes. Só uma delas – bolinhas de cloro, que se jogavam nas piscinas e se desfaziam aos poucos, simplificando dramaticamente o processo de controle da cloração – só esta patente já era suficiente para que nenhum dos 5 precisasse trabalhar.
Conseguimos motivar o sr. Daussan para nos vender o seu conhecimento. Nós montaríamos uma fábrica no Brasil, para abastecer todas as Usinas do nosso Grupo.
Visitamos a fábrica dele. O processo de fabricação era extremamente simples, e gerava um produto que precisávamos importar, e que tinha uma aura de mistério sobre a sua formulação: um líquido era estocado em tonéis elevados, e por tubos e registros bem simples se enchiam as placas de moldes, que estavam colocadas em mesas, ao nível do piso.
Depois de cheia de líquido, a placa era secada por aquecedores que também nada tinham de especial.
Tudo muito fácil de fazer. Ele nos fez o preço, nós fizemos os cálculos: iríamos poupar muito custo com a fabriqueta que instalássemos no Brasil.
(Como havia complicações para transferir dinheiro para o exterior, o sr. Daussan disse que aceitaria o pagamento em forma de lotes de terrenos em Búzios, onde, pouco antes, sua compatriota, a Brigitte Bardot, tinha passado suas férias…)
Havia, porém um senão. Qual era a matéria prima, que ele usava? Ele nos disse que só revelaria o segredo quando tivesse recebido o dinheiro da licença.
De novo, o problema da mala de dinheiro que se troca pelo sequestrado…
A esta altura, ele já estava meio arrependido de nos mostrar a fábrica, e acelerou o final da nossa visita.
Nós insistimos que em termos de refratário havia muitos imponderáveis. Nós tínhamos, em Sapucaia, revestimentos que fazíamos com terra de Santa Maria, socada para conformar uma camada protetora da panela de aço.
Nós a usávamos há anos, mas não sabíamos porque tinha que ser a de Santa Maria. Por que outras argila não serviam?
Assim, como vou ter a certeza de que a matéria prima que ele encontra no sul da França vai poder ser obtida no Brasil?
– “Eu lhe garanto que pode. Eu tenho certeza. Mas não posso revelar porque…”
– “Infelizmente, a sua certeza não me basta. Eu lhe pago a licença, o nosso material não dá certo, e nós não poderemos importar a matéria prima daqui, seria proibitivo”.
– “Eu tenho certeza de que o senhor não terá problemas”, repetiu M’sieur Daussan, já abrindo a porta para encerrar a visita…
Fizemos o estudo de viabilidade, o investimento era pequeno, mas não foi aprovado pelo Conselho. O negócio com a Daussan não saiu.
Seguimos comprando as placas da Foseco, a ponto de eles instalarem um fabriqueta junto à nossa Usina, em Sapucaia.
Muitos meses depois, eu conversava com o sr. Eloi Fleck, companheiro de clube, em Porto Alegre. Os nossos filhos eram colegas de equipe, e a conversa girava em torno de amenidades.
O Eloi trabalhava com transporte escolar, tinha uma razoável frota de Kombis. Perguntei-lhe como ia o seu negócio.
-“Olha, de momento bem, no ano passado tive bastante problema, faltou serviço. Agora, não: tenho quatro Kombis trabalhando só para uma fábrica nova que fizeram, lá em Sapucaia. As Kombis viram o dia todo, não param nunca. Aí, rende.”
– “Em Sapucaia? Te lembras do nome desta firma?” perguntei.
– “É Foseco, ou algo parecido” retrucou o Eloi. Seu olhar estava perdido no espaço quando completou:
– “Eu não consigo atinar o que o pessoal lá faz com tanto jornal velho. Mas é problema deles. Eu estou faturando legal”
Não fui checar mas, ao que tudo indicava, M’sieur tinha razão. A matéria prima existia no Brasil.
Neste particular, não havia grande diferença entre o France Soir e nosso Correio do Povo…
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