Aprendendo com quem faz

cumprir a tabela, na faculdade, e dar um jeito de aprender, o que precisávamos, fora dela.
Foi nesta época que ouvi do Spartacus, uma frase lapidar — que jamais esqueci:

quem sabe, faz; quem não sabe, ensina….

Lembrei-me desta frase quando me dispus a descrever este módulo, em que abordarei um do segmento das fontes de saber: outras empresas, do mesmo ramo, ou não, com as quais desenvolvemos importantes programas do que se chamou, durante algum tempo, de transferência de tecnologia.


 
Um dos exemplos mais gratificantes, para mim, foi dum acordo não escrito que, durante vários anos, mantivemos com uma empresa argentina, a Acindar.
Naqueles tempos de mercados fechados, eles não eram nossos concorrentes. Em tecnologia, em geral, eram mais adiantados do que nós: tinham instalações com investimento mais pesado, faziam aços de maior complexidade, eram mais verticalizados (começavam no minério de ferro, não na reciclagem de sucata).
O convênio era absolutamente informal, e baseado em troca de informações puntuais, como soluções para problemas reais.
Recorremos a eles quando precisávamos aprender a fazer o arame cobreado, quando queríamos entender o processamento do ferro esponja no forno a arco, quando tivemos problemas com tensões internas no nosso ovalado, quando estudamos a modernização das nossas fábricas de pregos.

(num certo momento, nossas 3 fábricas de pregos foram reprojetadas, mas em nenhuma delas conseguimos viabilizar a mecanização que a Acindar tinha na sua. O baixo custo da nossa mão de obra não o permitia)

Lembro que eles vieram aprender conosco como preparar a sucata para a carga dos fornos, como reduzir custos no seu departamento de engenharia, e outros casos semelhantes.
A Acindar estava no nosso radar de Fontes de Saber – e vice-versa….


 
Já com a Badische Stahlwerke, da Alemanha, foi diferente. No início dos anos 90 eles estavam dando shows de produtividade, na Europa. Dobraram a produtividade, sem demitir gente: simplesmente dobraram a produção, com o mesmo quadro de pessoas, mesmo que para isto tivessem que pagar pesadas multas por desrespeitar cotas estabelecidas pelo Mercado Comum Europeu.
Eles também eram inovadores em equipamentos, que desenvolviam para uso próprio, e vendiam, para outras siderúrgicas.
E vendiam programas de treinamento, para o qual mandávamos nossos operadores e engenheiros (esta a ordem de importância), para terem cursos entremeados com prática operacional – mão-na-massa – nas suas Usinas.
Eu estranhava esta disposição para ensinar deles. Afinal, na ponta do lápis, o que eles tinham de resultado financeiro com um contrato de treinamento ou com a venda de um equipamento era ordens de grandeza inferior aos valores que giram numa operação siderúrgica. Além de, potencialmente, estarem capacitando eventuais futuros concorrentes…
Um dia, num coquetel de confraternização, coloquei esta pergunta diretamente ao eng. Roese, que era diretor do programa de apoio tecnológico. O que, afinal, eles estariam lucrando, com tanto empenho em nos ensinar tudo o que sabiam?

– “O senhor não imagina como nosso pessoal se preparou para a visita deste grupo de vocês” – me respondeu ele. “Eu disse a todos que aí vinham os malucos que, em 1972, tinham batido o record de tempo de posta-em-marcha de um laminador Schloemann. E que eles iriam ser questionados como nunca o tinham sido, antes!”

Na realidade, o grande ganho que eles tinham, refletido nos seus índices de produtividade, era a motivação e capacitação dos seus operadores. Ao se preparar para ensinar e para demonstrar, precisavam aprimorar-se cada vez mais – e os resultados que obtinham, nos gigantescos números de uma operação siderúrgica, é que pagavam toda a conta…
Daí por diante passamos a chamar de efeito Badische fazer com que pessoas se dispusessem a ensinar, com a agenda oculta de fazê-los crescer no conhecimento e motivação da sua função…
Parafraseando o Spartacus….
 

 

… mas quando o cara que faz, ensina, ele aprende mais do que aquele a quem está ensinando…

 


 
Aproveito a oportunidade para relatar outro episódio que muito me marcou, numa visita à Badische.
Num determinado momento, um grupo nosso observava uma grande tesoura mecânica, num horário em que não estava operando. E descobriu uma chapinha (na realidade, um batente móvel) que as nossas tesouras não tinham.
O pessoal voltou ao treinamento, e eu fiquei no local , aguardando o reinício da operação.
Logo que a tesoura começou a funcionar, observei que a chapinha não estava sendo utilizada.
Perguntei ao operador da tesoura para que servia a chapinha, e ele me explicou que ela era importante para alinhar o feixe de barras que estava sendo formado, ao mesmo tempo em que permitia uma velocidade de corte menos sujeitas a descontinuidades.

-“Era o que imaginávamos” – observei. “Mas, neste caso, por que não a usas?”

– “Preste atenção”- retrucou o operador. “Eu não estou trancando o laminador – portanto, a minha velocidade atende ao que é necessário – e os feixes estão saindo perfeitos”.

-“É, de fato, tens razão….”- refleti em voz alta. “Mas o teu colega, no outro turno, usa a chapinha?”

 

– “Não tenho a menor idéia” – respondeu. “Mas posso lhe garantir uma coisa: ele não tranca o laminador, e os feixes dele também saem perfeitos…”

Guardo este episódio como antídoto para padronizadores burocratizantes.
É preciso padronizar os resultados dos processos, e não o modo de fazer as coisas…


 
Os poucos dias que passei lá me deram preciosos ensinamentos sobre transferência de tecnologia, em especial sobre o efeito do ambiente local sobre a mesma.
Algumas pérolas – em minha opinião:

  • Quando nosso pessoal de Informática perguntou sobre o sistema de contas a pagar, eles tiveram muita dificuldade em entender do que estávamos falando. Em primeiro lugar, cliente paga, não precisa estar em cima; depois, se atrasa alguns dias, que mal faz? É que nós estávamos em plena economia da alta inflação, na qual um turno de atraso já mudava tudo…
  • Não entenderam também nossa preocupação com o Sistema de Pessoal. O deles estava rodando há vários anos, sem necessidade de alteração. A legislação, lá, não muda todos os meses… É mais um dos nossos benditos custos Brasil…
  • Mostraram-nos um cálculo simples do que custa o turn-over, em termos de custos com a capacitação e com os erros causados pelos menos experientes.
  • Encaravam o absenteísmo como uma liberalidade (fringe-benefit) muito importante na região, e dimensionavam um quadro maior para que não causasse problemas à operação!
  • O presidente do Sindicato estava no cargo há mais de 15 anos, e, quando perguntado sobre o seu maior problema, respondeu que era a “a velocidade de aquisição de conhecimento dos operadores estarem muito acima da dos engenheiros, que estavam ficando desatualizados….”
  • Disse, também, que viajava muito pelo mundo, e que observara que, quando uma indústria é limpa, não existem problemas sérios de relacionamento entre patrões e empregados. E uma vez estivera na Cosigua, numa visita de Congresso, a achou limpa, e que portanto achava que lá este relacionamento era muito bom.
  • Ele repetia com tanto entusiasmo o discurso do diretor, que dava a impressão de que o progresso tecnológico era de iniciativa do Sindicato. Mas sublinhava, com orgulho: “podem andar por aí, vocês verão que em nenhum lugar os trabalhadores ganham tanto dinheiro, fazendo aço, na Europa, como aqui”.

 
Quando decidimos construir uma nova Aciaria, no Paraná, havia uma empresa que vinha batendo recordes em produtividade, e tinha recentemente construído 3 Aciarias novas, com alguns conceitos revolucionários.
Nós já os tínhamos visitado algumas vezes, mas resolvemos comprar uma visita de 1 semana ao escritório de engenharia do seu grupo, com direito a perguntar livremente, e inclusive visitar duas operações próximas.
Nós tínhamos um problema: projetar uma aciaria que tivesse o mais moderno e prático existente no mercado.
Eles tinham a solução: haviam revolucionado conceitos e tecnologia, eram bons operadores, estavam tendo excelentes resultados.
Como nós já tínhamos refletido muito sobre o assunto, a semana foi muito produtiva, e, por isto, em termos de custo, muito barata


 
Visitamos a Nucor, pela primeira vez, aproveitando a oportunidade de uma visita organizada em torno de um Congresso.
Dali por diante, durante muitos anos, visitamos muitas vezes suas diversas operações, buscando assimilar a sua cultura impregnada de pragmatismo e produtividade.
Na primeira visita, nos acompanhou um operador, por que falava espanhol. Explicando os seus bônus, disse-nos “we manage with money” – o que, dito por um operário, mostra a efetividade que este tipo de iniciativas tinha na sua empresa.
Tive duas reuniões que me marcaram muito.
A primeira, foi com o Vice-presidente que chefiava a operação do Texas.
Quando lhe perguntei sobre o seu departamento de engenharia (na época, era minha função corporativa) me retrucou que eles, por princípio, não tinham engenheiros.

-“Engenheiro só serve para explicar por que não dá para fazer as coisas” afirmou. “Temos apenas uma exceção: nosso VP que opera a planta de Nevada é engenheiro eletrônico, e às vezes precisamos recorrer a ele, nesta especialidade”.

É claro que fiquei chocado.

– “Mas vocês vão mais do que duplicar a Aciaria” – perguntei. “Como fazem o projeto, se não tem engenheiros?”

– “Eu mesmo marquei no chão onde devem colocar as colunas” – respondeu.

– “Pode ser, mas, e o projeto dos fornos?” insisti.

– “Vão ser exatamente iguais ao outros”.


 
Indaguei sobre o seu departamento de compra de insumos, em especial, de sucata – que, nas nossas operações no Brasil, tinha enorme impacto em resultado, e envolvia grandes equipes de compradores.

-“O senhor tem razão, sucata é muito importante” me respondeu ele. “Por isto, sou eu mesmo que compro…”

Quando perguntei sobre tur-over, me mostrou a contra-capa do catálogo da empresa, em que o nome dos cerca de 250 funcionários estava impresso…
Foi a primeira vez que vi a secretária do presidente atender a portaria e, ao mesmo tempo, operar a central telefônica.
E quando perguntei se permitia que parentes trabalhassem na Usina, me disse, com simplicidade:

– “Ele tem preferência. Aprendemos que os parentes dos bons funcionários tendem a ser bons funcionários. Nós os requisitamos!”

E por aí a fora…..


 
A Nucor era ousada em inovações tecnológicas. Quando projetamos um aquecedor à indução para a Laminação da nova Siderúrgica Cearense, fomos visitar o VP engenheiro, porque a sua planta operava equipamento semelhante.
Como seus colegas, ele também era informal e alegre.
Lembro que, quando perguntei alguns dados do seu equipamento, ele puxou uma .. velha régua de cálculo!
Ora, eu já tinha, orgulhosamente, uma calculadora programável HP, de 50 passos de programa, na qual tinha efetuado cálculos simplesmente – brilhantes !….
Brinquei com ele:

– “O senhor não vai querer me dizer que ainda usa esta velharia?!”

– “Uso” – disse ele. “Mas, vamos fazer os cálculos juntos. E vamos ver quem fica pronto antes!”

Levei um baile.
 
(noutra oportunidade, falávamos com um japonês, que nos auxiliava a melhorar a produtividade nos fornos a arco. Eles usavam painéis de cobre caríssimos. Durante a discussão, ele a certa altura se referiu que estranhava como todos nós usávamos computadores.

– “Mas vocês não usam? “perguntei.

– “Não, computador é caro!” respondeu ele.

– “Caros são os painéis de cobre, que vocês põem no forno, no lugar dos refratários”- retruquei.

– “É, mas com o painel de cobre, eu ganho dinheiro” disse o japonês, com simplicidade.)


 
Certa feita, contratamos japoneses da Nippon Steel para nos ajudar a montar um “programa de planejamento da produção”, começando por um piloto na nossa maior Usina.
Eles disseram que o desenho básico levaria 2 anos, teríamos que destacar os 40 melhores operadores para acompanhá-los, e custaria 2 milhões de dólares.
Nós não podíamos esperar tanto tempo, nem nos dispúnhamos a gastar tanto dinheiro.
Dois anos depois, nada tínhamos feito.
Quase 5 anos mais, e contratamos a SAP, que levou o mesmo tempo, precisou das mesmas pessoas, e custou alguns trocados a mais….
 
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