Encontros

técnicas (produção, manutenção, engenharia) locais. Cada um dos gestores trazia a sua pasta preta, na qual alinhava suas iniciativas para melhorar resultados. Os diretores ouviam, opinavam (com ar de sabedoria ?), e marcavam datas (implacáveis ?) para a conclusão da tarefa. Passei o dia ouvindo os depoimentos, e me imaginei no lugar de um dos gerentes. Por que razão iria, numa próxima vez, acrescentar algo à minha lista? Para receber dois ou três palpites, com novas alternativas, que sempre aumentavam as dúvidas – ou para ter definido um prazo curto, para executar a idéia, e que seguramente seria duramente cobrado. Eu não tinha nenhuma intimidade com os diretores, a cujo grupo eu recém me incorporava. Ao entrar no carro que nos levaria ao hotel, no fim do expediente, me lembro de ter manifestado, de forma bem dura, minha inconformidade com o processo da reunião. Eles eram muito mais preparados e inteligentes do que eu. Não me jogaram para fora do carro…


  Em realidade, se fazia, na época, uma gestão do conhecimento que hoje ninguém recomendaria. Os diretores eram, de certa forma, ladrões de oportunidades: praticamente só eles iam a feiras e congressos, visitavam plantas no exterior e negociavam com os grandes fornecedores. Os gerentes, se tinham idéias, as submetiam à críticas, e recebiam, como estímulo, restrições e datas!
  Foi o Leoni quem me contou a história do peixe predador. O Leoni era um brilhante advogado internacional, inteligente, provocador, irreverente: fazia o nosso Conselho pensar. Um dia ele me contou a história de um jornalista que tirava férias em uma aldeia de pescadores, no norte da Inglaterra. Ele se divertia assistindo, no fim do dia, as embarcações voltando do mar, e observou que todos os compradores esperavam, sempre, a chegada de um determinado barco. Logo que este chegava, vendia todo o seu produto; esgotado este, os demais também eram comprados. Sem nenhuma dúvida, aquele barqueiro tinha peixes melhores do que os demais.
  O jornalista se informou com diversos compradores: os peixes daquele barco eram, invariavelmente, mais frescos do que os demais. O jornalista era hábil: fez amizade com o pescador privilegiado, e passou a sair com ele para a pesca. Observou-o muitos dias, e não notou nada de diferente. No último dia, revelou sua profissão, disse que dificilmente voltaria àquele lugar, o barqueiro não poderia revelar o seu segredo? O pescador negaceou, mas acabou cedendo. O jornalista era muito hábil.
  O pescador contou que, de fato, todos os seus colegas deixavam uma rede n’ água, ao lado do barco, afim de que os peixes chegassem vivos à praia. Ele fazia o mesmo. Entre os peixes que eles pegavam, havia uns, poucos, que eram predadores: eles atacavam e matavam os demais. Os outros pescadores os separavam, e jogavam de volta ao mar. Ele os deixava junto com os outros peixes. Os predadores matavam alguns, mas mantinham todos os outros alertas, lutando pela vida, fugindo de um perigo que identificavam com clareza. Os peixes sobreviventes – a grande maioria — chegavam mais frescos na praia.
  Naquela época, naquele episódio, eu vinha chegando, questionando. Eu era um peixe predador. Anos mais tarde, Hoppe, Mubarack, Kemper e Scheiddegger, entre outros, eram nossos peixes predadores. Talvez, sem eu saber, eu já fosse bem parecido aos diretores que acima mencionei…
  O fato é que a gestão macro do nosso conhecimento mudou profundamente nos anos seguintes. Fomos formando, aos poucos, grupos de técnicos de áreas afins, organizando Encontros periódicos entre eles, sempre em locais diferentes. Estes Encontros tinham um líder rotativo, que convocava a reunião, organizava a pauta – sempre incluindo uma visita à sua planta – e zelava para que houvesse uma ata consistente, e sequência aos temas levantados na reunião anterior. Para evitar a omissão e a festa, os Encontros eram limitados entre 2 e 4 por ano, por especialidade. Os diretores eram bem-vindos, mas cedo não puderam dar conta dos compromissos. Havia os grupos de Refrataristas, Grandes Aciarias, Pequenas Laminações, Fábricas de Pregos, Manutenção, Engenharia, Ecologia…. Chegamos a ter quase 20 grupos trocando idéias, organizando experiências, eventos, viagens, visitas a Feiras e Congressos.

Rapidamente, a balança do conhecimento virou.

  Quem passou a receber visitantes ilustres em Aciarias era o grupo do Larini; quem queria saber algo sobre despoeiramento, falava com o Sambaquy. O Bitencourt, o Walcher e o Jou cresceram na Manutenção e na Engenharia; quem entendia de galvanização numa determinada época, era o Loreno… O conhecimento cresceu mais rápido, e se disseminou; estava, agora, a talvez 2 passos dos fatos onde era demandado…
  Muitos anos depois, prestando consultoria a um órgão público federal, com representações (filiais) em todos os estados, me deparei com uma gestão de conhecimento simplesmente deplorável. Alguns poucos, em algumas Unidades, detinham o conhecimento da tecnologia dos processos. A Central, em Brasília, periodicamente varrida pelo processo eleitoral, não conseguia reter talentos e muito menos o saber… Nas gerências regionais, funcionário de carreira tinham, na sua grande e absoluta maioria, todos os defeito que, de forma caricata, se impinge a um funcionário público. Descomprometidos, faltando ao expediente, mal usando seus computadores, lerdos, improdutivos, acossados por todas as limitações sistêmicas que os tinham tornado assim: a falta de objetivos, de recursos, de gasolina, de estímulo, de treinamento, de perspectiva de crescimento… Os terceirizados, via de regra, tinham uma atitude mais pró-ativa: mas não tinham senha (acesso aos sistemas de informática), nem podiam ser treinados oficialmente…

(Como gaúcho que sou, tenho a certeza de que este sistema foi cuidadosamente engendrado por um grupo de argentinos, no seu projeto de conquistar o Brasil…)

Tivemos alguns bons resultados no projeto. As gerências receberam indicadores de resultado, que passaram a influir na sua remuneração. Mas nossa proposta de Gestão de Conhecimento não foi adiante. Era bem simples: escolher, a dedo, alguns especialistas de algumas gerências, formando grupos de experts nos diversos processos do negócio. Não seriam, muitos, certamente menos de dez. A inteligência ficaria distribuída, menos sujeita às descontinuidades decorrentes dos ciclos eleitorais, e mais próxima dos fatos que a transformaria em resultados. Pena…   banner_instrutor3]]>

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