Era tão fácil. Bastava cutucá-lo, de vez em quando. No fim do mês, ele tinha sido muito produtivo. Não era fácil pensar em substituí-lo…
O seu Hans foi um dos melhores engenheiros com quem convivi. Sem ter se formado. Ele era um velho projetista, muito experiente, que vinha da indústria de construção de equipamentos para cervejaria. Era calmo, de enorme produtividade, bom senso no mais alto grau – e não cometia erros. Sabia muito mais que nós outros, engenheiros jovens e sem experiência prática. Era também muito organizado. Sabia perguntar, buscar todos os dados, e fazer as coisas mais importantes, primeiro. O seu Hans tinha gestão e conhecimento. E era muito bom, na gestão do conhecimento… Muitos jovens engenheiros mecânicos eram introduzidos na equipe sendo seus auxiliares. Aprendiam uma enormidade, e formavam, depois, como que uma linhagem de filhos do seu Hans. O seu Hans foi insubstituível, até se aposentar pela segunda vez. Entendo hoje que ele sabia, como ninguém, passar valores. Apenas dando o exemplo.
Mathias Kemper era um alemão que vivia, desde menino, no Rio. Mas de carioca, mesmo, tinha muito pouco. Físico de formação, nos repetia que mecânica era alinhamento e graxa. Baseado na pureza dos princípios físicos e numa obstinação típica dos alemães, resolveu problemas extremamente complexos em áreas de conhecimento que não dominava. Sua primeira grande façanha foi colocar um operação nossa primeira máquina de lingotamento contínuo moderna. Ela tinha sido comprada de suíços, montada por canadenses, e não funcionava. Causava muitas perfurações, o veio de aço em solidificação se rompia seguidamente, e aço líquido a 1600 graus se espalhava numa explosão, danificando o equipamento e interrompendo a produção. Os estrangeiros vinham e não resolviam. O Kemper, que era da engenharia, e tinha acompanhado a montagem, achava que o problema era apenas de alinhamento da máquina. E desafiou o diretor da produção, o alemão Didillon, a lhe dar a máquina por apenas 7 dias – que ele resolveria o problema. Depois de mais algumas tentativas com os estrangeiros, o diretor concedeu. O Kemper se meteu dentro da máquina, com seus projetistas e pessoal da nossa manutenção, trabalhando 16 horas por dia. Ao cabo de 7 dias, o primeiro dos 4 veios estava pronto – mas não podia ser testado. O diretor pediu que ele se retirasse. Eu assisti a discussão, era por volta das 9 hs da noite. O Kemper disse que dormiria ali, mas não sairia: o caminho tinha sido descoberto, agora era só repetir o que tinha feito. Foi uma briga de alemães. Ganhou o mais obstinado. Alguns dias depois, os quatro veios estavam alinhados. E a máquina passou a funcionar perfeitamente.
Há muito outros casos sobre o alemão Kemper. O montador suíço não conseguia resolver os problemas de uma turbina a vapor de 5 MW, da Purofer. O Kemper encarou o suíço, foi discutir com os chefes dele na matriz, e ganhou a parada. Era alinhamento e graxa, de novo. O Kemper era essencialmente intuitivo, e profundamente desorganizado – se quisermos tomar arrumação de sala como padrão de organização. Era mono-tarefeiro: qualquer 1 problema que pegasse, resolvia. Tentaram impor-lhe administrar uma área. Não se adaptou em tempo, e perdemos um grande engenheiro. Sem sê-lo, por formação. Deixou como legado um grupo de Kemper-boys, que revolucionou nossa forma de encarar os equipamentos. Trataremos deles noutro módulo.
O Osmar era engenheiro civil. Como teoricamente entendia de tijolo, no momento em que as grandes obras terminaram, e nossa equipe precisava buscar manter seu valor para a organização, pedi-lhe que estudasse a abóbada do forno da Guaíra – que era de tijolos refratários e estava gastando com muita rapidez. Na primeira vez, ele usou apenas a geometria. Descobriu alguns erros dimensionais nos tijolos e diferenças em abóbadas, e fez a vida do refratário aumentar rapidamente. Foi adiante, começou a conversar com os fornecedores de refratários. Em alguns meses, se tornou nosso especialista em refratários, dentro do Grupo. Não tinha conhecimento específico. Adquiriu-o, sabendo geri-lo, com foco em resultados.
Anos adiante, o Osmar passou a ser nosso especialista em áreas de desconhecimento. Analisou fábricas de tubos com costura, altos fornos a carvão vegetal, galvanização de tubos, fábrica de celulose, minas de ferro. No episódio da fábrica de celulose, começamos visitando papeleiros, fabriquetas de papel higiênico em Santa Catarina, reflorestamentos, grandes e pequenas fábricas de celulose, tudo precedido por um curso in-company que encomendamos de uma empresa especialista no assunto. Em quatro meses ele montou o projeto de uma fábrica para um investimento de 30 milhões de dólares. Na época, 150 milhões era o que se dizia ser necessário para começar. O Osmar tinha como característica – imagino, ao escrever este livro – de ser outro emérito gestor de conhecimento. Ele desenvolveu a habilidade de construir uma base mínima de conhecimento na busca de um resultado definido – com prazos, e custos, sob controle.
O Paulo Santos tem uma cabeça privilegiada; é prático, e muito produtivo. Foi nosso primeiro gerente-sem-tropa: recebeu o capacete verde-escuro sem comandar ninguém. Foi uma das pessoas que mais conseguiu trazer novos conhecimentos para a organização. Nenhum desconhecimento estava fora de sua capacidade. Desenvolveu um modelo matemático para projetar a calibração dos nossos laminadores, que valia, na ocasião, cerca de 300 mil dólares por laminador. Quando entramos no projeto Purofer, precisávamos de um engenheiro residente, na Alemanha. Requisito importante era dominar o idioma local. “Em quatro meses estarei pronto, o senhor pode falar comigo em alemão”, respondeu ele ao Vice-presidente que disse que ele precisaria saber a língua antes de se mudar. Tranqüilo, sem competir com ninguém, realizou a difícil missão com brilhantismo. Além de nos trazer o conhecimento de processos inteiramente novos para nós, estabelecer relações pessoais que nos foram, posteriormente, de grande valia. Foi o Paulo quem organizou todo o nosso intercâmbio com o Japão, e logo se entendia com os nipônicos com mais do que simples gestos. Neste intercâmbio, além de conhecimento, importamos importantes valores, e o Paulo desempenhou o papel de intermediário com perfeição. Paulo foi, também, um dos primeiros a compreender o valor do TQC, e foi um dos principais artífices de sua implantação no Grupo. Paulo é uma pessoa intrinsecamente organizada. Cultiva os 7 hábitos de Covey desde o berço. E teve um papel importantíssimo na obtenção de um novo patamar de conhecimento no Grupo Gerdau. Se gestão de conhecimento significa trazer o conhecimento que se demanda e colocá-lo à disposição dos operadores, diante do fato que gerou a necessidade – então o Paulo é um atleta laureado neste esporte…
O Jorge Scheiddegger foi outro monstro na nossa trilha de domínio de novas tecnologias. Quando tivemos dificuldade em pagar a calibração dos complicados espectrômetros, ele, como engenheiro civil, tirou dois cursos na Europa e, a partir de então, orientou toda a calibração dos instrumentos do Grupo. Era o nosso guru em estatística, e resolvia – ou buscava a solução – para o que precisássemos, nesta área. Quando iniciamos a informatização, lá estava ele, na vanguarda, nos ensinando os princípios de funcionamento dos computadores e orientando nossos Centros de Automação. O Jorge também era especialmente hábil em entrar em novos campos do conhecimento. Hoje, eu diria, um doutor na gestão do conhecimento, como deve ela ser entendida…
O Udo também era engenheiro civil – e alemão germanófilo, se o reforço é válido. Detalhista, workoólatra e perfeccionista ao extremo, absolutamente leal e confiável. Sua maior habilidade, para mim, era a facilidade com que enturmava com outros técnicos – pessoas que, como ele, adoravam o que faziam, pela tecnologia que dominavam. Conseguiu milagres lidando com montadores estrangeiros e nacionais, conhecia os peões de obra pelo nome, e discutiu alta tecnologia com os engenheiros mais sofisticados. Porque este relato a respeito do Udo? Porque ele era um ex-Kemperboy, tivera enorme sinergia com os valores do alemão carioca. Administrando suas forças e fraquezas, o conhecimento que ele possuía se multiplicava e dava resultados. Vale dizer: organizar o seu trabalho era vital (gestão). Mas o que resolvia os problemas era o seu conhecimento.
Convivi, ao longo dos anos, com algumas pessoas que chegam perto ao que se convencionou chamar de sábios. Cada um na sua especialidade, eles transcendem base de conhecimento em tudo que falam, transmitem uma segurança infinita em tudo o que fazem. O João Luiz Moreira, já falecido, era homem de RH. Numa conversa de 5 minutos, quando lhe levamos uma preocupação (excesso de desentendimentos entre alguns membros da nossa equipe), nos respondeu com três dias de … elaboração do planejamento estratégico do nosso Setor. Era muito compensador discutir, com ele, os aspectos de relacionamento humano. A cada questão (foram muitas) que lhe submetíamos, saíamos com uma solução – e uma nova base para raciocínios futuros, sobre o tema. O Walter Ries era um professor medular. Se lhe perguntasses algo, ele não discutiria, explicava. Como o Moreira, tinha também um raciocínio estratégico privilegiado – para mim, pelo menos, ele sempre enxergou algumas milhas adiante… ]]>