relator de uma matéria. Era obrigado a assistir às aulas teóricas, que eram facultativas, e fazer uma apostila compreensível para os demais que, com isto, usavam seu tempo ganhando algum dinheiro em atividades ligadas à futura profissão. Com isto, desde o primeiro ano busquei estágios em empresas que tinham que ver com o que eu queria aprender. E tive algumas oportunidades que muito me ajudaram:
- desenhista em fábrica de estruturas metálicas
- desenhista e auxiliar de engenheiro na obra da ponte do Rio Guaíba;
- bolsista do Instituto de Física, para trabalhos de pesquisa com transistores;
- estágio de férias na Ibrape, São Paulo, montando um indutômetro, que o laboratório necessitava;
- calculista de concreto armado;
- professor auxiliar de Resistência dos Materiais
- locutor da rádio clube Metrópole, da 0 às 4hs da madrugada…
(o trabalho como locutor visava conseguir emprego como locutor de futebol, que seria aos fins de semana, e permitiria mais tempo para estágios técnicos. Por razões que meus netos não precisam conhecer, não deu certo)
O mercado de trabalho, na época, era bem diferente do atual. Mas, devido à atividade que desenvolvi como estudante, eu podia escolher, ao me formar, entre 10 ofertas de emprego! Assim mesmo, alguns episódios mostram o absurdo despreparo de um formando em engenharia.No meu primeiro emprego, na fábrica de condensadores da Icotron, meu chefe me pediu para ver um problema num quadro elétrico. Abriu-o e disse que achava que o problema estava num dos contactores. Fiz-me de entendido, mas eu nunca tinha visto um contactor, na minha vida. Fui ao catálogo da Siemens, às escondidas, para ver que jeito ele tinha. Porque eu só conhecia contactor pelo símbolo que dele se usa nos diagrama unifilares e de comando…
(Me lembro de que resolvi o problema. O segundo, foi de um fusível que queimava. Examinei todo o circuito, não tinha porque queimar. Queimou novamente. Revisei tudo outra vez, e, agora, com certeza, disse para mim mesmo: não tem por que queimar! Troquei-o, não queimou mais, deve estar lá até hoje…)
Meses depois, ao começar meu trabalho na obra da Refap, como eletricista, lá encontrei o Foguinho, engenheiro mecânico, que tinha entrado antes de mim, e quebrava o galho administrando as linhas de 13,8 kV de abastecimento da obra. Eu estranhava que ele olhava para a linha e dizia se estava ou não energizada. Eu, como eletricista, era incapaz de fazê-lo! Como conhecia o Foguinho desde o início do curso, em atividades do Centro Acadêmico, chamei-o para um lado, logo que pude, e perguntei-lhe como sabia que a linha estava energizada. – “É bem simples” me ensinou. “É só observar os passarinhos. Onde tem passarinho sentado no fio, não tem corrente…”
Eu já estava a quatro anos na Refap, cuidando do projeto elétrico, quando o chefe da obra desistiu de conseguir trazer um eletricista competente do Rio, e me perguntou seu eu podia fazer o projeto de uma Subestação de 69 kV, necessária por que a Casa de Força da Refinaria estava atrasada, e não ficaria pronta em tempo. Respondi que me sentia capaz, porque sabia o que não sabia. Fui para livros, visitei subestações da CEEE, nas redondezas. Eu sempre passara por elas, mas não tinha idéia de quem, daqueles bonecos, era o disjuntor, e quem era o TP… Fiz um primeiro diagrama, perguntei ao engenheiro Passos, da Ceee, o que eu não sabia, discuti o projeto com fornecedores de equipamentos… e o PT0, como ficou conhecido a subestação provisória, ficou pronto a tempo!
(realmente, eram tempos heróicos… A Refinaria estava para iniciar a produção, e o chefe da obra chamou a mim e ao eng. Paulo Silveira, para saber a que horas teríamos disponíveis a energia elétrica (eu) e vapor (ele). Eu disse que ao meio dia de sábado podia energizar todas as subestações. O Paulo, bem mais experiente do que eu, disse que eu não conseguiria fazê-lo, e que ele iria, por isto, mandar dar uma última limpada nas caldeiras… Para fazer um alemão render o máximo, basta dizer que ele não consegue. Virei a noite de sexta para sábado com dois montadores, levei 10 choques de 110 V e 1 de 8.000, fui salvo pela sola de borracha de um sapato argentino… na manhã de sábado a Casa de Comando estava cheia de curiosos, torcedores contra e a favor (o Chang, futuro superintendente, ajudou a fazer conexões!) e, ao meio dia, os transformadores roncaram!)
Foi o Alexandre Pereira da Rosa, subchefe da obra, quem me enquadrou, no meu entusiasmo de quase adolescente. Numa reunião me disse, com todas as letras, que engenheiro como eu tinha às dúzias, ele levantava o telefone e contratava no momento que quisesse. Quem tinha valor, para a empresa, eram os administradores. Foi a primeira vez que me disseram, com todas as letras, o valor que tinha o conhecimento de que tanto me orgulhava… De fato: o meu auge de poder, ao longo de 6 anos de obra, foi quando eu era encarregado de administrar a lista telefônica da obra. As pessoas precisavam falar comigo para ganhar um ramal a mais ou ter acesso direto aos troncos, sem falar com a telefonista…
Foi do Falconi que ouvi, pela primeira vez, a frase
“eu ganho a vida com o que aprendi nos últimos três anos…”
No mundo globalizado, das learning organizations, a empregabilidade só se mantém se estamos continuamente aprendendo coisas novas… que tenham valor para clientes! Num trabalho que fiz para implantar conceitos de qualidade num órgão público federal, em São Paulo, eu falava sobre o projeto com muito entusiasmo, quando fui cortado por um senhor que me olhava, desde o início, meio atravessado: – “o senhor sabe quanto eu ganho por mês? Setecentos reais! E eu tenho 17 anos de formado, como engenheiro!” Naquele dia, naquela hora, os meus neurônios se alinharam, e, num lampejo infelizmente raro, fui eu quem deu a resposta magnífica: – “e o senhor sabe quanto vale o conhecimento de engenharia de 17 anos atrás? Mais ou menos, 700 reais. É bom prestar a atenção no que estamos falando, porque se trata de conhecimentos que tem muito valor no mercado de trabalho!”O valor do conhecimento vem à tona quando se negocia a compra de uma patente. Participei de vários processos de compra, e senti, também, o duro caminho de tentar inventar uma solução, quando a patente nos parece ser cara demais… Nós estávamos sempre buscando novas tecnologias, e nosso entusiasmo era sabiamente freado pelos conselheiros mais antigos – principalmente pelo seu Germano. Não que ele fosse contra a novidade: ele era muito prático. Em vários casos foi ele quem nos mandou ir atrás de novidades. Sempre eram dicas quentíssimas! Lembro que uma vez falei, entusiasmado, de uma planta nos Estados Unidos, na qual haviam sido introduzidas várias novidades tecnológicas, me propondo a visitá-la. O seu Germano apenas murmurou
-“Chapter Eleven”.
Fim de papo. Se estava em concordata, nada tínhamos que olhar lá.
Certo, é o que dá resultado! |
Assim, dificilmente eu conseguia introduzir uma novidade tecnológica em nossa empresa. Havia uma regra não escrita: precisa haver cinco, funcionando bem, para que a gente pudesse introduzi-la em nossas fábricas… Frustrante, mas muito sábio, para segurar um diretor corporativo de Desenvolvimento Tecnológico… Em fins da década de 80, um alemão inventou um processo revolucionário: usar painéis de aço, refrigerados à água, nas paredes de um forno a arco. O forno é revestido por refratários caríssimos; e se cai aço a 1600 graus sobre água, a vaporização instantânea gera uma explosão violentíssima! Os japoneses estavam usando painéis de cobre (caros! o nosso custo de refratário no Brasil era mais baixo que o deles, não nos permitia adotar a solução), mas apenas nos pontos quentes do forno. E o alemão tinha desenvolvido simples caixas d’água, que traziam enorme economia em refratários! Quando ele veio negociar conosco o fornecimento deste material, descobrimos que ele iria mandar fazer as caixas perto da Usina, numa metalúrgica que nada tinha de especial! Mas ele sabia bem o valor do conhecimento que tinha na mão. Quando me deu o preço e o peso das caixas, eu argumentei que aquele valor era 10 vezes maior do que o que aquela metalúrgica nos cobrava, por kg, para fazer serviços semelhantes. -“Eu sei disso e muito bem” disse ele. Mas o que o senhor gasta com refratários é ainda muito mais. Eu coloquei o preço no meio do caminho, entre o que me custa o painel, e o que lhe custam os refratários. Interessa?” Muito. O nosso forno da Cosigua foi um dos primeiros, no mundo, a usar a nova tecnologia.
Naquela época descobrimos, com os japoneses, que eles estavam usando um método muito simples de resfriar os eletrodos dos fornos, com um jato d’água controlado, reduzindo o consumo do grafite à terça parte. Os eletrodos de grafite são o item mais caro do custo operacional da Aciaria. Tão importante, que os gerentes de Aciaria, quando viajavam, telefonavam para saber quanto tinha sido a produção de aço, e o consumo de eletrodos, no dia anterior.
(este tipo de preocupação desapareceu quando aprendemos o significado de avaliar e controlar processos, anos depois)
O Patrício era um engenheiro chileno, aciarista de mão cheia, e foi o primeiro a colocar, num forno nosso, na Açonorte. aquele anelzinho em torno do cabeçote, para dar aquela mijadinha insignificante de água no eletrodo – com enormes reflexos no custo operacional! Não foi preciso comprar licença, nem patente, nem desenho. Ele viu, numa visita, voltou, e colocou em funcionamento.Anos depois, o Pedó pediu que eu fosse à Açonorte, para ver porque o custo de energia do forno elétrico tinha crescido tanto. O Patrício já não estava mais lá, e o resfriamento de água em eletrodos já tinha sido adotado em todas as nossas Usinas (aliás, foi a novidade tecnológica que mais rapidamente se espalhou, pelo mundo todo – em todo o tempo que lidei com este assunto!). Empregamos as técnicas japonesas do TQC, e rapidamente concluímos que o problema era a regulagem da água de resfriamento dos eletrodos. Para que o consumo de eletrodos não subisse, o pessoal deixava o jato de água algo folgado – a água caía sobre o banho de aço, o calor de vaporização era pago na nossa conta de energia. Foi um caso exemplar de limiar entre conhecimento e gestão. O novo gerente da Aciaria nos disse, claramente, conscientemente, que não conseguiria garantir que seu pessoal mantivesse, 24 horas por dia, 365 dias por ano, aqueles 9 jatinhos de água na regulagem certa.
Ou seja: a qualidade de gestão não nos permitia usufruir dos resultados que o conhecimento, que já tínhamos, podia nos proporcionar… |