Os Cursos de Tecnologia

talentos transferindo, para as áreas de produção, conceitos de padronização que tínhamos desenvolvido no ambiente trepidante das construções, lidando com pessoas desconhecidas em tempos muito curtos.


 
Assim, para passar da área de obras para a área finalista da organização, nós passamos a vender nosso conhecimento em gestão (fig. 5.3).

E agregamos valor, durante algum tempo.
Mas nos sentíamos como peixes fora d’água.
Se dominássemos o conhecimento em tecnologia siderúrgica, teríamos muito mais valor.


 
Quando fui contratado pelo Grupo Gerdau, o Vice Presidente que me entrevistou me fez uma proposta em salário tentador e uma função muito acima da que eu achava que seria capaz de fazer.
Eu lhe disse, francamente, que não me sentia habilitado para dirigir o projeto de uma siderúrgica; eu estava envolvido numa outra grande obra, mas não entrava no mérito dos processos. Eu nada entendia de siderurgia…
Ele me respondeu, com igual franqueza:
– “de siderurgia, entendemos nós”.


 
Assim, eu entrei na organização por conhecer método e tecnologia de obras.
Agora, não havia mais obras.
Para continuarmos úteis, seria preciso adquirir o conhecimento que nos faltava.


 
Ao trabalhar na padronização dos processos siderúrgicos, começamos a perceber que nossos clientes internos não conseguiam nos explicar certas coisas.
Cedo percebemos que, quando nós não conseguíamos entender, era porque eles não sabiam explicar.
E não sabiam explicar porque sabiam o como, mas ignoravam os porquês.
Os nossos melhores especialistas não sabiam muitos dos porquês.


 
Fomos descobrindo que os metalurgistas saiam da faculdade e eram contratados para tocar a produção. Em pouco tempo, esqueciam grande parte do que fora aprendido, no seu curso de formação: o conhecimento, sem ser praticado, é muito fácil de esquecer…


 
O forno a arco recebe uma carga de sucata de metais, de composição nem sempre bem conhecida, e cheia de impurezas e contaminantes.
Este conteúdo é derretido e tratado, e ao final do processo se tem uma panela que contém aço líquido, a 1600 graus, sobre o qual flutua uma camada de escória (fig. 5.4)

Uma de nossas preocupações era contribuir para reduzir o custos dos refratários que protegiam a panela desta temperatura.
Quando perguntávamos aos nossos especialistas sobre como especificar um refratário, e como evitar que ele gastasse, não conseguíamos entender o que falavam. Estavam muito dependentes do conhecimento dos fabricantes de refratários.
O Osmar, um dos nossos bons engenheiros civis, se animou a estudar a geometria da construção do muro de tijolos refratários.
Com surpresa, verificou que agregou grande valor, em pouco tempo: conseguiu duplicar o tempo de vida das abóbadas do forno da Vila Guaíra.
Em pouco tempo, era consultado, pelos colegas de produção, como especialista em refratários…
Descobriu que um deles – o Salinas, chileno, enfiado debaixo da plataforma do forno da Usina do Rio de Janeiro — tinha um conhecimento de refratários bem superior aos demais.
Começou a aprender com o Salinas. Mas o Salinas também tinha limites, mas nos indicou um colega, professor de Universidade no Chile.
E contratamos o Nelson Santander para nos ministrar um curso de uma semana sobre refratários.


 
Convidamos os engenheiros da área, e conseguimos preencher todas as vagas rapidamente.
O curso era de uma semana, porque o pessoal não poderia se afastar mais tempo da produção.
Mas o Nelson disse que não adiantava falar de refratários, se não dominássemos alguns princípios sobre formação e características das escórias. O curso teve que ser redimensionado, assim mesmo mantivemos a presença dos nossos clientes.


 
Santander era profundo conhecedor do assunto, tinha vivência prática e excelente didática. Passou a ser nosso padrão de instrutor.
Ao chegar, perguntou aos alunos se ainda se recordavam de diagramas ternários.
Como alguns admitiram o seu desconhecimento, se propôs a iniciar o curso por este tema.
Antes, porém, perguntou:
– “e de diagramas binários, vocês se lembram?”
– “O senhor, quem sabe, pode dar uma recapituladinha?”
Para nós, não metalurgistas, era grego.
Ao fim de 2 semanas de cursos, estávamos praticamente nivelados, com nossos colegas da produção, em diagramas binários, ternários, escória e refratários.


 
A partir desta experiência, descobrimos o nosso novo caminho.
Poderíamos, sim, entrar no mérito do conhecimento da tecnologia dos nossos processos siderúrgicos.
Com os cursos que fomos desenvolvendo, nossos melhores engenheiros de produção estavam aprendendo — e aplicando, na prática, imediatamente, o que aprendiam.
O tempo deles era precioso, os cursos precisavam ser extremamente práticos e focados.
Se eles aprendessem e aplicassem, seus gerentes os deixariam se inscrever em outros cursos.
Nós, os não metalurgistas, levantávamos os temas, buscávamos instrutores, e os testávamos com o modelo Santander.
O instrutor precisava preparar o roteiro do curso, e nos provar sua didática nos passando um módulo de pelo menos 2 horas.
Nos cursos, sentávamos na primeira fila, e, após cada turno de 4 horas, se fazia uma pesquisa, entre os alunos, sobre o conteúdo da matéria – e sobre o processo didático da instrução.
Durante almoço e janta o instrutor recebia o feed-back, e muitas vezes teve que refazer seu programa.


 
Porque tínhamos necessidade absoluta de sermos eficazes – cursos rápidos, focados, que levavam a aplicações práticas e ganhos imediatos – o nosso conjunto de 22 cursos ficou muito bom, e os técnicos conseguiam autorização para participar deles.
Recordo de três fatos que mostram o cuidado que tínhamos com a busca dos instrutores.


 
O processo de solidificação do aço se tornara crítico para nós, pois estávamos substituindo um processo tradicional (tipo solidificar água em cubinhos no freezer) por um lingotamento contínuo (imagine o aço sendo despejado entre rolos e jatos de água, continuamente, e sair como uma salsicha quadrada logo adiante).
Ajustar os rolos e a água era um processo simplesmente bruxo para nós. Como resultado, os veios rompiam, o aço líquido vazava, interrompia produção, danificava equipamentos..
Buscamos, durante semanas, quem pudesse nos ensinar o processo de solidificação do aço. Íamos a palestras e congressos, buscando, como Diógenes, um homem que detivesse o conhecimento que precisávamos.
Encontramos um pesquisador de uma estatal, que aceitou montar o curso como cabrito, em suas férias.
A primeira turma foi realizada num hotelzinho modesto, em Coroa Grande, RJ. Na manhã de segunda feira, eu observava os nossos especialistas em aciaria: eles estavam assistindo a exposição em completo silêncio.
Pensei no fracasso: eles já sabiam tudo! O que para mim era novidade, para eles, era óbvio. O curso era inútil
Ao cabo de 2 horas de instrução, no primeiro coffe-break, fomos afoitamente perguntar aos nossos aciaristas por que estavam tão quietos.

– “A gente se deu conta de que não manja nada do que o cara está falando…”

O instrutor da estatal deu outros cursos nas outras férias dele.
E o Jorge Scheiddegger, nosso engenheiro civil, foi o primeiro a conseguir regular nossos rolos de lingotamento a partir dum modelo matemático da solidificação do aço.


 
No curso de galvanização de arames, chegamos a ter um pré-contrato com um professor alemão, que não foi aprovado no teste de montagem de conteúdo. Muito conceituado na Europa, autor de livros e condutor de grandes projetos de pontes estaiadas, o seu conhecimento não sintonizava com nossas necessidades.
Foi o único curso que optamos em desenvolver em casa. O Loreno contratou uma estagiária, por isto apelidada de Lorena; ela percorreu todas as nossas plantas, reuniu todo o conhecimento que tínhamos, e montou nosso primeiro curso de galvanização.
Que depois, em sucessivos contratos de assistência técnica e benchmarking, fomos aprimorando até chegar ao nível dos demais.
Mas já a primeira edição, feita em casa, com o capricho e a curiosidade de recém formados, agregou enorme valor para nossas operações.


 
O professor Vicente Falconi Campos foi sondado para nos passar a matéria fisico-química do processo do forno a arco.
Testamos (éramos 3) a didática do mestre, num módulo em que ele defendia a substituição de oxigênio por ar comprimido em parte do processo de sopro do forno a arco.
Descobrimos porque o Falconi era habilitado, na UFMG, para dar aula de slides depois do almoço…
O curso foi um sucesso, e usamos o conhecimento do professor em metalurgia para montar outros cursos.
Certa feita, o contratamos para nos explicar, em detalhe, dois pontos que precisávamos conhecer, para resolver problemas práticos do nosso dia a dia:

  1. organizar uma experiência em sopro pneumático, para reduzir custo nas aciarias;
  2. explicar o mecanismo de controle do teor de fósforo no gusa de alto forno, pois estávamos começando a operar este tipo de equipamento, e tínhamos freqüentes problemas com desclassificação de corridas.

Um tema foi tratado pela manhã, o outro, pela tarde.
Levamos o professor para almoçar numa galeteria, próxima do nosso escritório.
Durante o almoço, ele não parou de falar no TQC. Estava empolgado, o Espírito da Qualidade já se tinha apossado dele….

– “Professor, desculpa, volta ao tema do gusa. No nosso caso, com o cal que estamos usando, nós…”

– “Vocês não imaginam o que foi. Falei com o Deming, na Flórida. Eu o encontrei num corredor de hotel e…”

Torrava o saco.
Hoje, eu acho que foi o almoço mais importante da minha vida….


 
Em menos de 2 anos, tínhamos montado um portfólio de 22 cursos de uma semana, que cobria quase todo o conhecimento de tecnologia básica de que necessitávamos.
Os cursos só tinham freqüência de alunos na medida em que eram valorizados pelos nossos gerentes: este era o nosso indicador básico de desempenho.
Aprendemos a valorizar a perda de conhecimento, quando um colega deixava a empresa, levando consigo um número importante de créditos alcançados…
E nós, do SEG – Setor de Engenharia do Grupo – acabamos por assumir o status de consultores internos, em temas para os quais, há poucos meses, o acesso nos era completamente vedado.

Como nos ensinara o Falconi: nós, também, passamos a ganhar a vida com o que tínhamos aprendido nos últimos três anos…

 
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