Os questionadores

 
A obra da construção da Refinaria Alberto Pasqualini durou 6 anos. Um absurdo, em tempos de hoje.
Quando fomos contratados, éramos um grupo de engenheiros locais, das mais diversas origens, que tínhamos em comum a completa ignorância do que era uma Refinaria, e um enorme entusiasmo em participar do mega-empreendimento da nossa região.
Nós cuidávamos, em Canoas, RS, apenas do projeto de infra-estrutura. O projeto industrial era coordenado no Rio, e era comum, para a Refap (RS) e Regap (Minas).
Nosso setor de projetos tinha uns 7 engenheiros; ficávamos todos numa mesma sala.
Duas salas adiante, ficava o Joe.
Joe D. Jones era um velhinho americano, que estava lá para responder nossas dúvidas.
Nós não gostávamos dele. Ele ganhava um salário que era a soma dos nossos, morava no Plaza, o melhor hotel de Porto Alegre; tinha uma condução só para ele; tirava férias de 30 dias por ano, contados nos USA (tempo de viagem era trabalho), com passagens de primeira classe para ele e para a esposa.
E suas respostas eram, via de regra, evasivas.


 
O Fadrique era um engenheiro mecânico, do nosso grupo, encarregado do projeto da adutora de água.
Esta adutora – um tubo com meio metro de diâmetro, 5 km de comprimento – atravessava uma várzea, entre o Rio dos Sinos, onde estavam as bombas, e a Refinaria, onde mantinha cheio o lago que servia como depósito de água para a operação.
Esta várzea era sujeita às freqüentes enchentes do Rio.

Quando a várzea estivesse cheia de água, e estando a adutora vazia, mesmo enterrada, ela tenderia a flutuar. A força de flutuação seria enorme, arrancaria a tubulação do chão, e deixaria a Refinaria sem água.
Para esta situação, a empresa projetista tinha imaginado duas soluções:

  • envelopar toda a adutora em concreto, afim de que, pesando mais, não viesse a flutuar, nestas ocasiões;
  • ou então, ancorá-la em blocos de concreto, igualmente pesados, mas espaçados de 10 em 10 metros. Neste caso, se gastava menos concreto, mas o tubo de aço encarecia.

Existiam outras alternativas, com espaçamentos diferentes entre blocos de concreto.
O Fadrique resolveu usar o Joe, levou as plantas até sua sala, e perguntou qual das alternativas ele escolheria.
O mister folheou o projeto com calma, tirou uma fumaça do charuto, e perguntou ao Fadrique:

– “Quando houver uma cheia do rio, como é que tu fazes para esvaziar a adutora ?”

Nosso colega recolheu a papelada, mandou a projetista eliminar todo o reforço e pesos de concreto.
A economia pagou, com sobra, todas as horas que Joe ficou conosco, incluindo todas as mordomias.

 

Bastou uma pergunta, no momento certo.

 


 
Nosso pessoal de manutenção estava no Japão, e, entre outras coisas, se preocupava em ver como os japoneses faziam para evitar que queimassem os motores das pontes rolantes dos Pátios de Sucata.
O japonês simplesmente não entendeu a pergunta.

– “Motor queima?”

Pensava que se tratava de incêndio.
Queimar motores, entre nós, era aceito como normal…


 
Estávamos na fase final da obra da Cosigua II, e apenas um dos itens do cronograma tinha uma folga de mais de dois meses em relação ao caminho crítico. Era o poço de carepa (fig.6.13).

Este poço teria cerca de 20 metros de profundidade, seria revestido de concreto, e receberia toda a carepa formada durante o processo de laminação.
A carepa é formada por casquinhas de óxido que se desprendem das peças que estão sendo laminadas. Em poucas horas, se formam grandes montes. Para que não interrompam a produção, são levadas, por fortes correntes de água, até um poço, fora do prédio. De lá, um greiffer as retira e coloca em caminhões, que a levam para aterro.
Como na Cosigua o solo era muito ruim, cavar um poço abaixo de 2,5 m exigia técnicas especiais. No caso, antes de iniciar a escavação, se cravaram estacas prancha, com quase 30 m de comprimento, que formaram um enorme canudo. Bastaria, agora, tirar a terra de dentro, o que era fácil: era uma argila muito mole.
E que, por ser argila, era também absolutamente impermeável. Nunca tinha aparecido água em fundo de qualquer escavação.
Mas, neste único caso, a escavação cortou uma raríssima lente de areia; com isto, ao se atingir os 5 m de profundidade, o fundo da escavação se cobriu de água (fig. 6.14).

Era fácil chegar ao fundo da escavação; difícil, era tirar a água, para concretar o fundo do poço.
Tínhamos grande folga no cronograma, havia tempo para resolver o problema.
Instalamos duas potentes bombas de esgotamento. O nível de água baixou apenas um metro. E havia se passado uma semana.
Informaram-nos que no Rio de Janeiro estavam os maiores especialistas em escavações semelhantes, no Brasil. Copacabana está sobre a areia, e junto ao mar…
Vieram os especialistas da T. Janer. Eles instalaram algumas dezenas de piquetes em redor do poço, e, usando bombas de vácuo, aspiraram a água do lençol freático ao seu redor.
Passaram-se 3 semanas, e o nível baixou menos de 1 metro.
Colocaram o dobro de piquetes. Outra semana, mais alguns centímetros.
Nosso prazo estava se esgotando!
Foi quando surgiu o questionador oportuno, um agente muito especial da gestão do conhecimento, e perguntou:

-“Para que o fundo de concreto?”

Levamos poucos dias para estudar todas as hipóteses. A carepa podia ser extraída do fundo do poço, mesmo que estivesse submersa. Ela era transportada por torrentes de água!
Havia o perigo de o greiffer escavar o fundo, além do depósito de carepa. Solução fácil: limitar o comprimento do cabo e, por precaução, jogar no fundo do poço algumas placas de aço (velhas lingoteiras) disponíveis na Aciaria (fig. 6.15)
A obra ficou pronta no prazo, graças ao HA!
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