“Ah, você é judeu, não vale.” Escutei de um conhecido há não muito tempo, em um daqueles períodos entre o conflito e a calmaria que volta e meia tomam conta do Oriente Médio. Fui tentar explicar ao cidadão como toda história tem dois lados, e a coisa não é tão simples como um julgamento apressado a milhares de quilômetros de distância faz parecer.
Há várias formas de buscar conhecimento. Você pode ler, se matricular em algum curso, ir ao cinema e se manter informado nos jornais e revistas sobre o que acontece à sua volta. Se eu odiar um filme, posso xingar bastante o diretor, os atores e o universo por me fazerem perder duas horas naquilo. Você pode até tentar se informar, procurando entrevistas e outros relatos para tentar descobrir o que, afinal, as pessoas que fizeram aquele filme estavam pensando. Mas, dificilmente, você vai conseguir externar suas opiniões aos envolvidos na obra. Apesar do “mundo conectado”, a maior parte do conhecimento ainda é passiva, recebida por nós de alguma fonte.
Você pode ler 500 livros, inteirar-se de milhares de assuntos e se considerar a pessoa mais culta da festa. Por mais que você desenvolva sua inteligência a partir dessas fontes passivas, se você se limitar a elas ainda vai faltar algo.
Não é à toa que desde a Grécia antiga o aprendizado pela conversa é altamente valorizado. Na antiguidade, o ato de discutir era visto como uma forma de arte (o fato de não terem acesso à escrita como temos hoje facilitava). Os maiores debatedores eram valorizados e acompanhados de perto por estudantes. A participação era tão valorizada que chegava a ser vista como um dever cívico.
É na argumentação que se desenvolve um ponto importante da inteligência e, como a civilização considerada o berço da democracia sabia, também da vida em sociedade.
Acontece que conversar com quem concordamos é fácil. Pode ser divertido e dar uma sensação de “dever cumprido”. Nada como passar a noite conversando com pessoas que compartilham nossa visão de mundo, não é mesmo?
Acontece que o real desafio é aprender a ouvir lados opostos aos nossos. Na minha vida pessoal, costumo usar até como medida de alguém que quero ter por perto. Se a pessoa sabe expor visões diferentes da minha, reconhecendo a minha visão e eventualmente se mostre tão disposta quanto eu a mudar o modo como vê o mundo, eis alguém que quero ter por perto. A melhor forma de continuar na ignorância é se cercar por aqueles que concordam com você.
E aqui preciso falar de um hábito horrível que tenho visto em muitas conversas e debates.
Acontece que democracia só existe se as pessoas têm direito de pensar diferente. Se as pessoas à sua volta concordam com você e é assim que você gosta, você não vive em uma democracia. O sistema só é realmente testado a partir do momento em que aprendemos a respeitar pontos de vista diferentes. É aquele momento em que a opinião do outro pode até doer, mas você prefere que ele tenha o direito a ter essa opinião do que ser impedido de dizê-la.
Como tudo que realmente vale a pena, lidar com opiniões divergentes é difícil. Tanto que existe um erro tão comum que tem até nome: Reductio ad Persona.
Você cai no argumento Ad Persona toda vez que, ao ouvir um argumento de que não concorda, ataca a pessoa, em vez do argumento. É quando alguém diz que Fulano é a favor de cotas por ser negro, quando seu amigo votou no Aécio porque é coxinha e na Dilma porque é Petralha. Frases assim e suas variações podem dar alguma satisfação ao sair dos lábios, mas não passam de fraqueza intelectual.
O Reductio ad Persona é algo instintivo, natural para nós, animais que evoluímos há tão pouco tempo. Tendo nossa visão de mundo ameaçada e não sabendo como lidar com a mensagem, atacamos o mensageiro.
Atacar o mensageiro é fácil. Há até uma variação divertida do “Ad Persona” chamado Ad Hitler, que diz que você sabe que acabou a vida inteligente em uma conversa quando alguém apela e compara o outro lado a Hitler ou aos nazistas (algo que todos já vimos em discussões pela Internet por aí).
Entender a visão do outro lado, pensar a respeito e dar uma resposta digna é fruto de inteligência e esforço. É difícil, mas é aí que pessoas expandem sua visão de mundo e evoluem. Não só pessoas, diriam os atenienses. É assim que a democracia e o conhecimento se fortalecem.
Da próxima vez que alguém desqualificar sua opinião com base em uma característica sua, caia fora e esqueça. Não vale a pena perder tempo. É para isso que opções de silenciar e a milenar arte de se afastar de pessoas inconvenientes existem.
Se você, em um surto de empolgação se pegou fazendo isso, respire, pense um pouco e repita a si mesmo: é o argumento, não é a pessoa. Lembre-se, não é questão de pensar “Ah, esse cara é um (insira seu adjetivo aqui).” Mas sim de enfiar na sua cabeça que diferentes pessoas pensam de forma diferente. E está tudo bem.
Você só saberá, realmente, viver em uma democracia quando ouvir algo que realmente incomoda e tentar entender aquela visão de mundo.
O resto é ignorância.
Autor
Fábio Zugman
Fonte: Administradores